Mulheres no volante

Pilotar o fogão já não serve mais. Com autonomia e independência, as mulheres assumem a direção de suas vidas e dos automóveis, encarando a profissão de motorista que, tempos atrás, era dedicada apenas ao sexo masculino. Comemoraremos esse 25 de Julho, Dia do Motorista, contando a história de duas vacarianas que tem o volante como seu sustento e melhor amigo

01/07/2019 Especiais Carolina Padilha Alves Tiago Sutil

Mulher no volante, competência constante

A época retrógrada em que atividade principal da mulher estava ligada à casa e aos filhos, chegou ao fim, e os estereótipos pré definidos já não fazem mais sentido. Por isso, um leque de opções profissionais se abriram, e muitos dos ofícios que antes não eram possíveis para o público feminino, hoje são desempenhados com elegância e responsabilidade por elas. Um ótimo exemplo disso é o cargo de motorista, seja ele numa empresa de ônibus, caminhão, transporte escolar, táxi, motogirl, entre tantos outros.

E para rebater esse tipo de pensamento ainda existente, que mulher e volante não combinam, uma pesquisa de 2018 realizada pelo Infosiga SP, que coleta dados da Polícia Civil e Rodoviária Federal, apontou que, nos últimos anos, apenas 6,4% dos condutores envolvidos em acidentes graves foram mulheres, contra 93,1% de acidentes ocasionados pelo sexo masculino. O machismo tenta aplicar na prática que as mulheres são um problema no trânsito, enquanto os números mostram exatamente o contrário.

Já que biologicamente não há nada que faça o homem ser mais capacitado do que a mulher para dirigir, a explicação para o preconceito é uma questão cultural e histórica, assim como a explicação para a porcentagem dos acidentes, é comportamental. Psicólogos afirmam que os homens tendem a ser mais agressivos e competitivos, o que os levam a revidar, mostrando sua masculinidade com a velocidade e a força do motor. Já as mulheres, mais empáticas e cuidadosas, se irritam da mesma forma, mas tendem a trazer a responsabilidade para si mesmo.

Mas para contar exatamente como é o dia a dia dirigindo por profissão, nada melhor do que conhecermos a história de duas motoristas vacarianas, que não se preocupam com estereótipos e julgamentos da sociedade. Uma no caminhão, outra na van escolar, mas ambas desempenhando um trabalho importantíssimo e com extrema competência nas ruas e estradas de nossa região.

Sexo frágil?

Raiana Silva Santos vem de família de caminhoneiros, onde seus dois avós, pai, primos e seu irmão, sempre dirigiram profissionalmente, além de seu marido ser motorista de ônibus, levando e trazendo o pessoal que trabalha nas macieiras em época de safra.

Há dois anos, seu irmão mais novo, Magnus, faleceu em um acidente, deixando seu caminhão, um Mercedes 1513, ano 1973, parado e sem uso. Foi então que Raiana começou a sua saga como caminhoneira.

“Assumi o trabalho do meu irmão, mesmo meus pais não gostando muito da ideia, devido a preocupação, já que o falecimento de Magnus aconteceu na estrada. Agora sou filha única, mas desempenho a profissão com muito orgulho e como homenagem a meu irmão”, diz a motorista.

Raiana tem apenas vinte e sete anos, mas já tem carteira de carro, ônibus e caminhão e transporta alho, feno e maçã de Muitos Capões até as câmaras e empresas em Vacaria.

O trabalho pesado fica por conta das empilhadeiras e seus operadores, que tratam de carregar e descarregar o caminhão para Raiana e ela apenas amarra as cintas da carreta. O Mercedes, por ser antigo, é pesado e não é considerado fácil de dirigir, porém a destreza já está no sangue da jovem, que se orgulha da profissão que o destino escolheu para ela. 

A motorista relata que adora andar sozinha na cabine, pois a atividade se torna quase uma terapia. E quando indagada sobre o real preconceito que a profissão, muitas vezes, revela para as mulheres, ela comenta que é considerada a “do contra” da família.

“As pessoas dizem para os meus pais que como pode eles terem uma filha caminhoneira e referem-se sempre ao que aconteceu com o meu irmão, como se o mesmo fosse acontecer comigo. Eles não entendem que eu sou feliz fazendo isso e que as mulheres são tão capazes quanto os homens em qualquer situação”, comenta.

Raiana já é conhecida pelos seus colegas e trabalhadores dos pomares como a “guria do caminhão preto”, e comenta que ao chegar para pegar a carga, muitos ficam apavorados quando, ao descer do veículo, veem que é uma jovem. Além disso, ela afirma que esse trajeto curto é só o início, já que pretende desbravar muito as estradas do país e ir viajar para mais longe com o caminhão de seu irmão.

A responsabilidade na profissão

De segunda a sexta-feira, Aisah Fou'Ad Ahmad, acorda às 5:30h da manhã, com a mesma missão: levar mais de trinta crianças para a escola. Apesar do trajeto ser o mesmo, cada dia é sempre diferente do outro, em função das histórias que os pequenos contam, às vezes alegres, às vezes tristes, mas sempre depositando confiança na motorista para dividirem suas frustrações e conquistas.

Há dez anos, Aisah está nessa profissão e começou com o incentivo de seu marido Marcelo, que vendeu uma caminhonete para comprar a primeira Besta e dar início ao trabalho que, como diz ela mesma diz, foi um tiro no escuro. Hoje, dirigindo uma van de vinte e um lugares, Aisah olha para trás e entende que foi a decisão certa.

“Na época, conversamos com muitas pessoas, uns apoiaram, outros não, mas mesmo não sabendo se ia vingar, fizemos a tentativa. Então, acabei me tornando a única motorista da família, já que ninguém mais tem esse ofício”, conta.

Sua marca registrada é um Bob Esponja colocado no painel, que ajuda as crianças a reconhecerem qual é a van que devem entrar, no meio de tantas que estão estacionadas na frente dos colégios. Orgulhosamente, Aisah comenta que nunca sofreu um acidente, bateu ou foi batida, mas que se preocupa muito com o trânsito que, atualmente, está muito diferente do que era quando começou. “Já aconteceu de furar pneu e ficar atolada, isso com o carro lotado. A confusão é grande, mas faz parte da profissão”, afirma.

Como todo trabalho, esse também precisa de regras. A motorista conta que, dentro da van, é proibido comer e beber, em função da sujeira e também da possibilidade de engasgamento, não se diz nome feio, não podem brigar verbalmente ou fisicamente, braços para fora das janelas são inadmissíveis, assim como os atrasos. Tudo isso é controlado com a ajuda de sua monitora Raquel, fiel escudeira que está há quatro anos ajudando Aisah nas tarefas de casa e na van.

“Considero todos eles como se fossem meus filhos. Por isso, tempos atrás, uma menina de quatro anos convulsionou dentro da van e eu parei todo o trajeto e a levei direto para o UPA, onde foi imediatamente atendida. Portanto, sendo bem sincera, se eu for pensar em tudo que pode acontecer comigo e com as crianças, nas questões do trânsito e na responsabilidade que tenho enquanto estão comigo, eu não trabalharia com isso”, reflete a profissional.

Aisah leva crianças com autismo, com deficiência física, algumas carentes, adolescentes e, na maioria das vezes, transporta desde a creche, até o ensino médio. Ela participa da criação de cada um, com suas especificidades, passando por todas as fases até atingir a vida adulta e por isso afirma que, nessa profissão, não basta apenas dirigir, mas é preciso criar afinidade com seus passageiros e ter uma boa relação com os pais. “É extremamente gratificante quando chego no colégio e eles vem me abraçar, como se eu fosse da família. Dou presentes para eles em datas comemorativas, os quais meus filhos ajudam a confeccionar. Na última páscoa, fiz uma cestinha com produtos recicláveis que pedi para os vizinhos doarem. Foi uma verdadeira força tarefa que valeu a pena”, diz Aisah. 

A motorista, apesar de ter um trabalho corrido e estressante, não perde o bom humor diário e muito menos deixa de se preocupar com sua estética. Sempre maquiada, bem arrumada e sorridente, inicia e termina seu trajeto com amor pelo que faz e sabendo da responsabilidade que carrega nas costas.

“A carga que eu transporto, não tem preço”, conclui.

Infográfico:

  • As mulheres representam hoje 34% do cadastro de condutores no Estado, mas foram responsáveis por somente 27% das infrações de trânsito em 2017.

  • De 2007 a 2017, a participação das mulheres no papel de condutoras passou de 27% para 34% do total

  • Hoje elas são 1,7 milhão de habilitadas para dirigir carros, motos, caminhões, ônibus, tratores e todo tipo de veículo automotor. 

  • As duas rodas vêm ganhando a preferência das gaúchas. Elas já são 41% dos habilitados na categoria A (em 2007 eram 22%).

  • Em 2007, elas eram responsáveis por 21% do total de infrações registradas no Rio Grande do Sul. Em 2017, essa proporção aumentou para 27,4%, mas ainda bem abaixo da representação das mulheres no cadastro de condutores (34%). 

  • As infrações mais flagradas de motoristas mulheres são excesso de velocidade e estacionamento em local proibido.

Dados retirados do Detran Rio Grande do Sul, pesquisa de 2018.

 

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